Jan 24 / Núria Jorge

Avaliação POCUS da Função Sistólica do Ventrículo Esquerdo

Um Guia para Não Cardiologistas - Parte 3

A disfunção ventricular esquerda (VE) é um achado transversal em múltiplas emergências médicas, como causa ou complicação de doença aguda.

A avaliação da função VE tem demonstrado aumentar a precisão no diagnóstico e melhorar o prognóstico e alterar o tratamento imediato de diferentes cenários de cuidados agudos.

Por outro lado, a incidência de insuficiência cardíaca aguda descompensada (ICAD) entre os doentes internados é substancial e os médicos podem não reconhecer sinais clínicos ligeiros.

O não diagnóstico da ICAD está associado ao aumento da morbilidade, mortalidade e tempo de permanência, a avaliação da função sistólica do VE por ecografia à cabeceira do doente é uma forma rápida e precisa de diagnóstico.

Isto é mais do que uma publicação de blog! Da autoria de Núria Jorge, trata-se de uma mini-revisão que visa melhorar a perícia na avaliação POCUS da função sistólica do VE, que combina métodos qualitativos e semi-quantitativos e propõe uma avaliação POCUS padronizada da função sistólica do VE.

Com a valiosa contribuição de Martim Trovão Bastos, Rui Carvalho, Fábio Barbosa, Beatriz R. Sousa, Nuno Amorim, Antony Soares Dionísio, Dolores Vázquez, Sheila Arroja, José Mariz, esta série de três partes fornece um guia abrangente para médicos não cardiologistas avaliarem de forma precisa e rápida a FSVE utilizando o POCUS.

Parte 1 - Concentra-se na avaliação qualitativa da FSVE ("olhar" para o coração através de pistas visuais e imagens de ultrassom): Avaliação Qualitativa da Função Sistólica do Ventrículo Esquerdo.

Parte 2 - Introduz métodos semi-quantitativos, fornecendo medições objetivas para complementar a avaliação qualitativa: Avaliação Semi-Quantitativa da Função Sistólica do Ventrículo Esquerdo.

Parte 3 - Explora as aplicações clínicas e implicações destas técnicas para o diagnóstico e gestão de pacientes: Avaliação POCUS da Função Sistólica do Ventrículo Esquerdo.

A Importância da Medição Precisa da FEVE

A função sistólica do VE é geralmente avaliada através da medição da fração de ejeção do VE (FEVE), que corresponde à percentagem de sangue bombeado para fora do VE a cada ciclo cardíaco (FEVE = volume sistólico / volume telediastólico).

A medição precisa da FEVE é um dos pilares da ecocardiografia formal. A categorização da FEVE varia entre diferentes sociedades internacionais.
  • A Sociedade Americana de Ecocardiografia e a Associação Europeia de Imagem Cardiovascular (ASE-EACVI) consideram valores de FEVE entre 53-73% como normais e valores abaixo de 40% como disfunção VE moderada ou grave (< 30%).

  • As diretrizes da ASE-EACVI recomendam o método biplanar de Simpson Modificado, que consiste em traçados da área da cavidade VE ao longo da sua borda endocárdica nas vistas apicais de quatro câmaras e duas câmaras nas fases tele-sistólica e tele-diastólica.

    Embora mais precisa, esta técnica requer treino avançado em ecocardiografia, uma boa janela acústica e tempo para medições exatas, características raramente presentes no contexto da medicina de emergência.

Além disso, mesmo que todas estas condições estejam presentes, a medição da FEVE pode levar a uma estimativa incompleta ou incorreta da função do VE.

Isto é observado na presença de fatores de confusão geométricos (cardiomiopatia hipertrófica ou ventrículos com cavidades pequenas), alterações na carga do VE (como choque ou doença cardíaca valvular) ou casos de eventos arrítmicos.

Todas estas alterações podem ser observadas em doenças agudas, tornando o método de Simpson Modificado impraticável na avaliação por POCUS.

O Papel do POCUS na Função Sistólica do VE

A ecocardiografia POCUS é realizada à cabeceira do doente não só por cardiologistas, mas também por médicos generalistas ou de emergência para responder a questões clínicas focadas, reduzir o diagnóstico diferencial e orientar o tratamento adequado.

Esta ferramenta é agora essencial para a avaliação hemodinâmica e tornou-se generalizada na prática clínica.

A avaliação qualitativa POCUS da função sistólica do VE é descrita em numerosos estudos como precisa e realizada de forma eficaz por médicos com formação formal breve.

Nas últimas décadas, outros métodos quantitativos mais simples foram desenvolvidos para a avaliação da FEVE no campo da emergência, que se acredita ser realizada por esta avaliação à cabeceira do doente.

Requisitos de Formação e Curva de Aprendizagem: A Base do POCUS Cardíaco Eficaz

Atualmente, a avaliação cardíaca por ultrassom é realizada não só por cardiologistas em unidades de cuidados intensivos (UCI), mas também em serviços de urgência, enfermarias e até mesmo em ambiente pré-hospitalar.

A presente abordagem visa tornar a avaliação da função do VE mais fácil e prática, mas é preciso ter em consideração os seus pontos fulcrais e potenciais limitações.

O primeiro passo para uma avaliação POCUS adequada é uma boa aquisição de imagem e, embora muitos estudos defendam uma curva de aprendizagem rápida, a habilidade de aquisição de imagem requer pelo menos três meses de treino.

A revisão sistemática e meta-análise de Jenkins S et al. Diagnostic accuracy of handheld cardiac ultrasound device for assessment of left ventricular structure and function: systematic review and meta-analysis, mostrou que uma ecografia realizada por um operador experiente tinha três a seis vezes mais probabilidades de detetar disfunção do VE, dilatação ou anomalias do movimento da parede do que se realizada por um operador inexperiente.

Isto realça a importância de uma formação e supervisão adequadas para uma melhor capacidade de diagnóstico e gestão clínica.

Avaliações Qualitativas e Quantitativas

A avaliação POCUS visa responder a questões clínicas urgentes em ambientes de emergência. A capacidade de caracterizar qualitativamente a função do VE como normal, reduzida ou hiperdinâmica, tem um impacto clínico mais imediato do que uma medida precisa da fração de ejeção quando feita de forma consistente.

No entanto, uma avaliação qualitativa isolada pode dificultar a discussão entre pares e a monitorização da evolução clínica, uma vez que a comunidade médica anseia por valores mais objetivos.

Por outro lado, a quantificação da FEVE é frequentemente demorada e tecnicamente desafiante, como foi demonstrado neste artigo de Moore et al., Determination of left ventricular function by emergency physician echocardiography of hypotensive patients, em que os médicos de emergência demoraram em média 17 minutos para avaliar a FEVE em doentes hipotensos.

O Papel das Técnicas Modo-M na Avaliação da Função do VE

Medidas alternativas, como a separação septal do ponto E, o encurtamento fracionário e a excursão sistólica do plano anular mitral, conquistaram o seu lugar neste tipo de avaliação.

Como técnicas dependentes do Modo-M, são mais rápidas e fáceis de executar. Embora muito úteis na avaliação de um VE geometricamente normal, a avaliação em Modo-M não é tão fiável na presença de variações estruturais, como em ventrículos dilatados ou assimétricos.

As alterações do movimento do septo interventricular destacam-se como outra limitação deste método de rastreio, uma alteração facilmente observada em casos de bloqueio completo do ramo esquerdo, portadores de pacemaker ou sobrecarga de volume do ventrículo direito.

Assim, apesar do uso dos métodos semiquantitativos recomendados, estas entidades clínicas e morfológicas não devem ser negligenciadas.

Avaliação Cardíaca por POCUS

As diretrizes desenvolvidas pelas sociedades americanas e europeias para a avaliação por ecografia à cabeceira do doente em medicina de emergência e cuidados intensivos não reduzem a avaliação cardíaca à definição da função do VE.

Outros fatores como as dimensões das câmaras cardíacas, o estado do volume, as anomalias valvulares ou o derrame pericárdico devem ser considerados na avaliação POCUS.

No entanto, a função do VE é um dos dados mais importantes a retirar na avaliação cardíaca por POCUS, pois é essencial para a avaliação hemodinâmica em cenários de cuidados agudos.

As abordagens qualitativas e semiquantitativas descritas não têm necessariamente de ser todas realizadas na avaliação destes dados e o tempo nem sempre é suficiente para o fazer de forma tão completa.

A "avaliação visual" continua a ser uma opção comprovada para a caracterização da função do VE, uma vez que o POCUS é frequentemente realizado em pacientes sintomáticos cujos achados patológicos podem ser mais pronunciados.

Avanços na Tecnologia POCUS

Por último, é crucial considerar a evolução tecnológica. Vários ecógrafos portáteis foram desenvolvidos e aprovados para uso clínico. Embora a maioria deles possua os modos B, M e Doppler, eles apresentam características distintas na aquisição de imagens e nas suas capacidades.

Por outro lado, softwares de medição automática da FEVE, que utilizam o traçado do endocárdio, estão em desenvolvimento. Apesar das suas limitações ainda serem debatidas, estes softwares têm o potencial de se tornarem uma ferramenta transversal para a avaliação da função do VE no futuro.

Este artigo não explora a avaliação da função sistólica do VE para diferentes ecógrafos portáteis nem a medição da FEVE por software semiautomático.

O conhecimento dos métodos de avaliação qualitativa e semiquantitativa, a técnica por detrás deles e as suas limitações permite que a abordagem POCUS descrita seja realizada por médicos não cardiologistas em apenas quatro janelas cardíacas, e que a função do VE seja medida de forma rápida, precisa e consistente à beira do leito.

Um Guia para Não Cardiologistas

A avaliação da função sistólica do VE fornece informações importantes para orientar o tratamento de pacientes em estado grave. A sua avaliação deve ser realizada de forma precisa e rápida à beira do leito, um objetivo que pode ser desafiante.

Esta revisão propõe uma abordagem do POCUS concebida para integrar diferentes medidas qualitativas e semiquantitativas da função sistólica do VE, de forma a melhorar a proficiência na avaliação cardíaca por médicos não cardiologistas em ambientes de emergência.

Esta série de três partes constitui um guia abrangente para médicos não cardiologistas avaliarem a FSVE com precisão e rapidez usando o POCUS.

Ao integrar técnicas qualitativas ("observação visual") e semiquantitativas, os profissionais de saúde podem avaliar a função cardíaca com confiança e tomar decisões informadas à cabeceira do doente.

Reveja as três partes desta série para aprimorar as suas habilidades em POCUS e otimizar o tratamento do paciente.

Parte 1 - Concentra-se na avaliação qualitativa da FSVE ("olhar" para o coração através de pistas visuais e imagens de ultrassom): Avaliação Qualitativa da Função Sistólica do Ventrículo Esquerdo.

Parte 2 - Introduz métodos semi-quantitativos, fornecendo medições objetivas para complementar a avaliação qualitativa: Avaliação Semi-Quantitativa da Função Sistólica do Ventrículo Esquerdo.

Parte 3 - Explora as aplicações clínicas e implicações destas técnicas para o diagnóstico e gestão de pacientes: Avaliação POCUS da Função Sistólica do Ventrículo Esquerdo.