Oct 2 / José Mariz

Ver Além: Como O POCUS Revolucionou os Meus Turnos de Urgência

São 2h da manhã. O serviço de urgência está em plena atividade como se fossem 2h da tarde – aquela energia constante que só quem trabalha neste ambiente conhece.

Entra um doente com dispneia aguda. O exame clínico sugere algo pulmonar, mas eu preciso de mais informação. Rapidamente. É aqui que o POCUS (Point-of-Care Ultrasound) se torna não apenas útil, mas verdadeiramente transformador.

Depois de anos na linha da frente da urgência, posso dizer com convicção: o POCUS não é um acessório no meu turno – é uma extensão natural do meu exame clínico.

É a ferramenta que me permite ver além da pele e responder a perguntas críticas em minutos, não em horas.
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Mais do Que um Exame: Uma Extensão dos Meus Sentidos

Durante o meu turno, o POCUS acompanha-me em praticamente todas as decisões complexas. Quando avalio um doente com dor abdominal, não me limito à palpação – posso visualizar diretamente a vesícula, procurar sinais de apendicite ou verificar se há líquido livre. É como ter raios-X nos olhos.

No caso da dispneia que mencionei, em menos de 5 minutos consegui:

  • Avaliar a função cardíaca com uma ecocardiografia básica
  • Verificar se havia derrame pleural bilateral
  • Descartar pneumotórax
  • Avaliar sinais de edema pulmonar através do protocolo BLUE

O resultado? Uma decisão terapêutica informada, rápida e eficaz. O doente não teve de esperar por um ecocardiograma formal ou por uma TAC que poderia demorar horas.

Casos Que Marcam a Diferença

Lembro-me de uma situação particular que ilustra perfeitamente o poder do POCUS: chegou-me um jovem politraumatizado após queda de bicicleta. Numa urgência caótica, chamam-me pela pressão dos Bombeiros em “entregar” o doente e levar a maca.

Clinicamente estável, referindo dor num braço, normotenso e taquicárdico, espremido numa maca de vácuo, mas pelo meu treino de urgência ando pelo ABCDE, e com POCUS identifiquei rapidamente líquido livre intraperitoneal. Essa descoberta mudou completamente a abordagem terapêutica.

Ou quando avalio um doente em choque de causa não traumática: o POCUS permite-me rapidamente distinguir entre choque cardiogénico, distributivo ou hemorrágico. A ecografia do coração mostra-me a contractilidade, a veia cava inferior dá-me pistas sobre o estado volémico, e uma avaliação abdominal rápida pode revelar hemorragia interna.

A Confiança que Faz a Diferença

O que o POCUS verdadeiramente me dá é confiança. Confiança nas minhas decisões, especialmente naqueles momentos de incerteza que são tão frequentes na urgência.

Quando o quadro clínico não está completamente claro, ter a capacidade de visualizar diretamente o que está a acontecer dentro do doente é inestimável.

Esta confiança traduz-se em:

  • Decisões mais rápidas e precisas
  • Menor ansiedade, tanto minha quanto do doente
  • Melhor comunicação com os colegas e com as famílias
  • Otimização de recursos e tempos de espera

Uma Ferramenta que Exige Dedicação

Claro que o POCUS não é magia – exige formação, prática e atualização constante. É por isso que, há anos, me dedico a orientar estágios nesta área. Acredito profundamente no seu poder transformador, mas sei também que só é eficaz quando dominado com competência.

A ecografia à cabeceira do doente requer não apenas conhecimento técnico, mas também a capacidade de integrar a informação visual com o contexto clínico. É uma competência que se desenvolve com tempo e experiência.

O Futuro da Urgência

Com o reconhecimento recente da Medicina de Urgência e Emergência como especialidade médica em Portugal, o POCUS ganha ainda mais relevância. A nova especialidade reconhece explicitamente a sua importância, e isso não é por acaso – é porque sabemos, na prática, o quanto esta ferramenta pode fazer a diferença.

Cada turno me confirma que estamos a viver uma revolução silenciosa na medicina de urgência. O POCUS está a democratizar o acesso à imagiologia, a acelerar diagnósticos e, acima de tudo, a melhorar o cuidado que prestamos aos nossos doentes.

Uma Reflexão Final

Após tantos anos na urgência, posso dizer que poucas coisas mudaram tanto a minha prática clínica como o POCUS. Não se trata apenas de uma nova tecnologia – é uma nova forma de pensar e agir em medicina de urgência.

Quando termino o meu turno e reflito sobre os doentes que atendi, sei que muitos deles beneficiaram diretamente desta capacidade de "ver" que o POCUS me proporcionou. E isso, para mim, justifica todo o investimento na formação e desenvolvimento desta competência.

A urgência portuguesa está a mudar, e ferramentas como o POCUS estão na linha da frente dessa transformação. Como especialista nesta nova área, sinto-me privilegiado por poder contribuir para essa evolução, formando outros profissionais e partilhando a experiência de como uma simples sonda pode transformar completamente um turno de urgência.

Quer descobrir como estes princípios se aplicam na prática real? Leia como o POCUS transforma turnos de urgência no dia-a-dia do Dr. José Mariz. 

"Para onde vamos nas aplicações de POCUS na prática clínica?"