Jan 19 / Manuel Lobo

POCUS em meios remotos (PURLS)

O Point of Care Ultrasonography (POCUS) em versão pré-hospitalar é uma metodologia amplamente utilizada em todo o mundo (1-3). As principais especialidades médicas e uma parte considerável dos fluxogramas de emergência incluem o POCUS bem como outros protocolos de ecografia (4-8).

O Point-of-care Ultrasound in Resource-Limited Settings (PURLS) que é a sua aplicação em meios remotos, é descrito nos hospitais do Uganda por Stolz (10), bem como num estudo de Henwood (11), sendo já descrita uma “Irmandade PURLS” em 2020 (12).

A literatura num contexto remoto é extensa, tanto para o pessoal médico como para o pessoal não médico, e reconhece o papel extremamente importante da sua aplicação em ambientes pré-hospitalares.(2) (6) (13–22).

A minha experiência no Nordeste Transmontano

Então, o POCUS em meios remotos, denominado na literatura internacional por PURLS ainda não é muito falado na realidade Portuguesa mas é algo que tenho vindo a praticar desde que vim trabalhar para Trás os Montes em 2009.

Na altura tinha acabado a Licenciatura em Radiologia (agora chamada Imagem Médica e Radioterapia) e fui trabalhar para um projecto de Tele-radiologia no Nordeste Transmontano, para as modalidades de Radiologia Convencional e Ultrassonografia. Estes exames seriam executados localmente e seriam relatados à distância por um médico Radiologista.

Se a primeira parte do projecto correu bem e recebeu o Prémio Saúde Sustentável em 2015 (23), a segunda parte do projecto de Ultrassonografia ficou a meio em virtude de não se ter conseguido encontrar um prestador que fizesse os relatórios remotamente.

Ainda assim ficou o ecógrafo destinado a esse efeito e este passou a ser utilizado no Serviço de Urgência Básico, que dista mais de uma hora de qualquer hospital diferenciado com Ultrassonografia ou outros MCDTs diferenciados.

Como tal, posso falar da minha experiência com o PURLS ao longo dos anos e tenho de dizer que o impacto económico e social foi muito importante, embora pudesse ainda ser maior caso o projecto tivesse sido concretizado na sua totalidade.

Embora o projeto inicial (CALENO) fosse fazer ecografias ortodoxas de abdómen e músculo-esqueléticas (com relatório à distância) e permitir, que em pleno século XXI, que as populações das Terras de Miranda não tivessem de deslocar 160Kms para fazer uma simples ecografia ao joelho ou ombro, este sonho rapidamente esbarrou obstáculos que se pensavam ultrapassados e então passamos-mos a focar-nos essencialmente em patologia urgente.

O Ecógrafo portátil está presente no SUB Mogadouro desde 2009 e desde aí foi recolhida alguma estatística para verificar a sua utilidade nos diferentes planos:
- Sociais;
- Clínicos;
- Custo-efetividade.

As consequências do prognóstico no plano Social e Clínico

Quanto ao plano social, dado o contexto de grandes carências a nível de equipamentos e recursos humanos de que padece o Nordeste Transmontano, este equipamento revelou ser uma mais-valia desde logo.

Disponibiliza esta valência imagiológica na modalidade POCUS para o esclarecimento de algumas patologias urgentes, dando mais informações ao clínico para poder referenciar para ambulatório, resolver localmente ou encaminhar para um Hospital mais diferenciado. Este assunto foi abordado de forma detalhada num artigo meu de 2022 (24).

Quanto ao plano clínico poderiam ser descritos casos em maior pormenor, mas não creio que seja objetivo deste artigo de opinião. Ainda assim de destacar, em termos gerais a deteção precoce de alguns achados suspeitos clinicamente, como sinais de apendicite, colecistite, globo vesical, hidronefrose, massas pélvicas complexas… E outros completamente acidentais como é o caso de massas hepáticas de etiologia indefinida, rim poliquístico ou aneurisma da aorta abdominal.

Todos estas detecções precoces e presunções diagnósticas que levaram ou não a encaminhamento urgente (24) tiveram óbvio impacto no prognóstico de saúde dos pacientes com ganhos financeiros que não são possíveis de calcular, embora haja estudos (25) que referem que diagnósticos precoces e redução do número de exames e tratamentos desnecessários levam a grandes poupanças financeiras, embora não sejam possíveis mensurar.

Impacto financeiro no sistema

Outras poupanças que foram possíveis calcular, foram o número de encaminhamentos urgentes que foram evitados, levando a poupança em termos de deslocação em ambulância, carro próprio ou afluência desnecessária a urgências hospitalares de referência, já para não falar a redução da exposição à radiação em exames como TAC ou radiologia convencional.

No período de 2016 a 2019 (recorde que o ecógrafo está presente desde 2009) com algumas avarias pelo meio, foi possível estimar poupanças de 78,070€ .

Realizou-se esta análise, com a devida reserva de que o exame POCUS e PURLS tem propósitos e objetivos diferentes dos exames de ecografia ortodoxos. De qualquer forma, isto revela um impacto económico interessante, dada a dimensão dos serviços e seria ainda maior se acabasse por ser aplicado a nível nacional.

Este é um exemplo de que nos cuidados de saúde, medidas rentáveis podem ser tomadas neste tipo de projetos de ecografia em ambientes remotos, como descrito na literatura, embora outros autores nunca tenham estimado valores monetários. (6) (11-13).

Redução da afluência ao SU

Após descrever de forma muito genérica o projecto, fica claro que existem limitações, que o este poderia estar muito mais desenvolvido pelo distrito e por outras instituições semelhantes por esse país fora.

Acredito mesmo que uma replicação deste modelo nos vários SUB poderia contribuir para reduzir a afluência excessiva e desnecessária aos Hospitais por parte dos utentes, mas seria necessário um projecto nacional que pudesse operacionalizar todas estas experiências isoladas que se vão fazendo ao nível pré-hospitalar.

Talvez seja a altura ideal para isso, assim haja vontade política.
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Sobre o Autor:

Manuel Duarte Lobo é atualmente TSDT Radiologia na Unidade Local de Saúde do Nordeste e Professor Convidado na Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias do IPCB. É sócio fundador e presidente da Direção da APIMR (Associação Portuguesa de Imagiologia Médica e Radioterapia). É também membro da Sociedade Internacional de Ecografia Clínica Espanhola (SIEC), colaborando na formação com os mesmos desde há 12 anos. Também é council member do International Society of Radiographers and Radiological Technologists (ISRRT), tendo, por intermédio deles colaborado em alguns projectos da OMS.

Nota de agradecimento

Um profissional que acredita que o verdadeiro propósito do POCUS é o benefício dos pacientes deixa-nos com a certeza de que trabalhamos, todos, com um objetivo comum!
A POCUSX agradece a colaboração e partilha do Artigo de Opinião com um cunho muito pessoal.
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Referências:

  1. Amaral CB, Ralston DC, Becker TK. Prehospital point-of-care ultrasound: A transformative technology. SAGE Open Medicine 2020; DOI: https://doi.org/10.1177/2050312120932706
  2. Busch M. Portable ultrasound in pre-hospital emergencies: A feasibility study. Acta Anaesthesiologica Scandinavica 2006; 50: 754-758. DOI:https://doi.org/10.1111/j.1399-6576.2006.01030.x
  3. Léger P, Fleet R, Giguère, JM, Plant J, Piette, E, Legaré, F, Poitras, J. A majority of rural emergency departments in the province of Quebec use point-of-care ultrasound: a cross-sectional survey. BMC Emerg Med 2015; 15 (36). DOI:https://doi.org/10.1186/s12873-015-0063-0
  4. American College of Emergency Physicians – ACEP. Ultrasound guidelines: Emergency, Point-of-care, clinical ultrasound in Medicine. ACEP working paper, Dallas. 2016. Consulted in: https://www.acep.org/globalassets/new-pdfs/policy-statements/ultrasound-guidelines---emergency-point-of-care-and-clinical-ultrasound-guidelines-in-medicine.pdf
  5. Atkinson P, Bowra J, Lambert M, Lamprecht H, Noble V, Jarman B. International Federation for Emergency Medicine Point of Care Ultrasound Curriculum. CJEM 2015; 17(2), 161-170. DOI:10.1017/cem.2015.8
  6. Biegler N, McBeth PB, Tiruta C, Hamilton DR, Xiao Z, Crawford I, Tevez-Molina M, Miletic N, Ball CG, Pian L, Kirkpatrick AW. The feasibility of nurse practitioner-performed, telementored lung telesonography with remote physician guidance - 'a remote virtual mentor'. Critical Ultrasound Journal 2013; 5(5). DOI: https://doi.org/10.1186/2036-7902-5-5
  7. Hile DC, Morgan AR, Laselle BT, Bothwell JD. Is point-of-care ultrasound accurate and useful in the hands of military medical technicians? a review of the literature. Military medicine 2012; 177(8):983-987. DOI: https://doi.org/10.7205/MILMED-D-12-00020 
  8. Kirkpatrick AW, Breeck K, Wong J, Hamilton DR, Mcbeth P, Sawadsky, B, Betzner M. The potential of handheld Trauma sonography in the air medical transport of trauma victim. Air Medical Journal 2005; 24 (1): 34-39. DOI:https://doi.org/10.1016/j.amj.2004.10.012
  9. Burleson SL, Pigott DC, Gullett JP, Greene C, Gibson CB, Irvine S, Kaminstein D. Point-of-care ultrasound in resource-limited settings: the PURLS fellowship. The Ultrasound Journal. 2020. 12(14). DOI: https://doi.org/10.1186/s13089-020-00159-6
  10. Stolz LA, Muruganandan, KM, Bisanzo, MC, Sebikali MJ, Dreifuss BA, Hammerstedt HS, Nelson SW, Nayabale I, Adhikari S, Shah SP. Point-of-care ultrasound education for non-physician clinicians in a resource-limited emergency department. Tropical Medicine and International Health 2015; 20 (8): 1067-1072. Available from: https://doi.org/10.1016/S2214-109X(15)70060-4
  11. Henwood PC, Mackenzie DC, Rempell JS, Murray AF, Leo M, Dean AJ, Liteplo AS, Noble VE. A practical guide to self-sustaining point-of-care ultrasound education programs in resource-limited settings. Annals of emergency medicine 2014; 64 (3): 277-285.e2. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.annemergmed.2014.04.013
  12. Burleson SL, Pigott DC, Gullett JP, Greene C, Gibson CB, Irvine S, Kaminstein D. Point-of-care ultrasound in resource-limited settings: the PURLS fellowship. Ultrasound J. 2020 Mar 20;12(1):14. doi: 10.1186/s13089-020-00159-6. PMID: 32193724; PMCID: PMC7082434.
  13. Madore F, Kube E, Sttanislaw P, Bahner D. Utility of hand portable ultrasound in a rural Guatemalan hospital. International Journal of Academic Medicine 2016; In press (3). DOI:http://dx.doi.org/10.4103/2455-5568.188731
  14. Nelson B, Melnick E, Li J. Portable Ultrasound for Remote Environments. The Journal of Emergency Medicine 2011; 40 (2):190-197. DOI:https://doi.org/10.1016/j.jemermed.2009.09.006
  15. Bassler D, Snoey E, Kim J. Goal-directed abdominal ultrasonography: impact on real-time decision making in the emergency department. The Journal of Emergency Medicine 2003; 24 (4): 375–378. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0736-4679(03)00032-5
  16. Buerger A, Clark K. Point-of-Care Ultrasound: A Trend in Health Care. Radiologic Technology 2017. 89 (2):127-138. Available in: http://www.radiologictechnology.org/content/89/2/127.abstract 
  17. Blaivas M, Kuhn W, Reynolds B, Brannam L. Change in Differential Diagnosis and Patient Management With the Use of Portable Ultrasound in a Remote Setting. Wilderness & Environmental Medicine 2005; 16(1):38-41. DOI: http://dx.doi.org/10.1580/1080-6032(2005)16[38:CIDDAP]2.0.CO;2
  18. O'Dochartaigh D, Douma, M, MacKenzie, M. Five-year Retrospective Review of Physician and Non-physician Performed Ultrasound in a Canadian Critical Care Helicopter Emergency Medical Service. Prehospital Emergency Care 2016. 21(1): 1-8. 10.1080/10903127.2016.1204036. 
  19. Glomb N, D’Amico B, Rus M, Chen C. Point-Of-Care Ultrasound in Resource-Limited Settings. Clinical Pediatric Emergency Medicine 2015 16(4). DOI:http://dx.doi.org/10.1016/j.cpem.2015.10.001
  20. Lapostolle F, Petrovic T, Lenoir G, Catineau J, Galinski M, Metzger J, Chanzy E, Adnet, F. Usefulness of hand-held ultrasound devices in out-of-hospital diagnosis performed by emergency physicians. The American journal of emergency medicine 2006; 24 (2):237-42. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.ajem.2005.07.010
  21. Ketelaars R, Reijnders G, Van Geffen G, Scheffer GJ, Hoogerwerf N. ABCDE of prehospital ultrasonography: a narrative review. Critical Ultrasound Journal 2018; 10 (17). DOI: https://doi.org/10.1186/s13089-018-0099-y
  22. Ogedegbe C, Morchel H, Hazelwood V, Chaplin W, Feldman J. Development and evaluation of a novel, real time mobile telesonography system in management of patients with abdominal trauma: study protocol. BMC Emergency Medicine 2012; 12(1): 19 - 19. DOI: http://dx.doi.org/10.1186/1471-227X-12-19
  23. Prémio Saúde Sustentável [PSS] (2015). Os vencedores da 4ªa Edição. Disponível em: https://premiosaudesustentavel.negocios.pt/vencedores/4a-edicao-2015/
  24. Lobo MJCD, Tavares SCCNM, Pereira de Almeida RP. Point of care prehospital ultrasound in Basic Emergency Services in Portugal. Health Sci Rep. 2022 Sep 20;5(5):e847. doi: 10.1002/hsr2.847. PMID: 36189415; PMCID: PMC9489087.
  25. Lentz B, Fong T, Rhyne R, Risko N. A systematic review of the cost-effectiveness of ultrasound in emergency care settings. Ultrasound J [Internet]. 2021;13(1). Available from: https://doi.org/10.1186/s13089-021-00216-8