Nov 14 / Host José Mariz

POCUS e Inteligência Artificial a Transformar o Cuidado ao Doente

POCUS Talks

Neste episódio do POCUS Talks, José Mariz conversa com Andre Kumar, médico Internista, investigador e professor da Universidade de Stanford, sobre o impacto e os desafios do POCUS na medicina moderna, com o foco nas experiências e inovações na ecografia Point-of-Care. Esta conversa resulta numa visão detalhada e reflexiva para médicos, educadores e entusiastas do POCUS.

Neste artigo, vamos explorar os principais insights desta conversa, nomeadamente, as oportunidades e o potencial transformador do POCUS, as diferenças de formação em diferentes contextos médicos, os desafios do domínio da técnica e de implementar novas tecnologias em ambientes clínicos e como a inteligência artificial pode acelerar a curva de aprendizagem da ecografia Point-of-Care e melhorar os resultados clínicos.

POCUS Mundi EUA com Andre Kumar

Andre Kumar é professor na Universidade de Stanford, com uma paixão por melhorar o cuidado ao doente através da ecografia Point-of-Care, investigação clínica e educação.

Concluiu três ensaios randomizados sobre POCUS e o seu impacto no cuidado ao doente. Continua a fazer investigação e a ensinar POCUS a nível local e nacional, e está empenhado em melhorar a ciência e a educação que sustentam a próxima geração de ferramentas de diagnóstico.

A sua jornada em POCUS começa quando se depara com um caso grave de tamponamento cardíaco. Sem suporte especializado no local, usou a ecografia à cabeceira do doente para diagnosticar a condição e, junto com a equipa, conseguiu estabilizar o paciente.

Este evento foi o ponto de viragem na sua carreira, ao observar o potencial da técnica em salvar vidas. Demonstrou o poder do POCUS para melhorar o atendimento em emergências, e que a prática pode ser expandida para áreas remotas. Pode melhorar rapidamente o diagnóstico e, consequentemente, o tratamento, não apenas no ambiente hospitalar, mas também em regiões onde os recursos médicos são limitados.

Curva de Aprendizagem da Ecografia Point-of-Care: a Regra 80/20

Um dos principais desafios do POCUS é o tempo e a prática necessários para adquirir a competência e a confiança. Andre Kumar menciona a regra 80/20: é possível adquirir cerca de 80% das competências necessárias num curto espaço de tempo para ser minimamente competente numa tarefa. Os 20% restantes, o que chamamos de expertise, requerem muito mais tempo e dedicação para alcançar um domínio profundo.

Na ecografia Point-of-Care, essa tendência é semelhante. Para se alcançar uma competência básica, são necessários cerca de 20 exames, mas para chegar a uma verdadeira especialização, são necessários anos de prática.

A inteligência artificial pode revolucionar esse processo, ao ajudar médicos a interpretar imagens de ultrassom de forma mais rápida e precisa e, consequentemente, acelerar a curva de aprendizagem da ecografia Point-of-Care.

O Efeito Dunning-Kruger e o Papel da Inteligência Artificial na Formação em POCUS

Outro ponto levantado por Andre Kumar foi a observação de que alguns médicos podem se sentir excessivamente confiantes ao utilizar a ecografia à cabeceira do doente, sem terem a competência necessária.

Curiosamente, não existe uma correlação clara entre a confiança e a competência. Muitas vezes, os profissionais que se sentem mais confiantes são os que obtêm os piores resultados nas avaliações. Esse fenómeno pode ser explicado pelo Efeito Dunning-Kruger, um viés cognitivo onde indivíduos com conhecimentos ou competências limitadas numa determinada área tendem a sobrestimar as suas capacidades.

Em POCUS, este fenómeno é particularmente relevante, especialmente quando se trata de integrar os resultados com os cuidados aos pacientes. Um dos aspectos mais interessantes discutidos foi o uso crescente da inteligência artificial na formação em POCUS e otimização do uso da técnica.

A IA pode acelerar significativamente a curva de aprendizagem da ecografia Point-of-Care, porque permite que médicos menos experientes se sintam mais confiantes nas suas competências, pode ajudar a reduzir erros e assegurar que o POCUS seja aplicado de maneira precisa e confiável.

O Poder do Feedback em Tempo Real na Aprendizagem da Ecografia Point-of-Care

A tecnologia POCUS fornece feedback em tempo real sobre a qualidade das imagens obtidas em cada exame, oferece uma interpretação preliminar que pode ajudar os profissionais, permite estandardizar os diagnósticos e orientar para obter melhores resultados.

José Mariz, como Coordenador de um programa de fellowship para Internos de Medicina Interna, observa diferenças significativas no progresso dos Internos. Alguns alcançam os marcos rapidamente, enquanto outros necessitam de mais orientação.

Isso levanta a questão de como podemos personalizar a experiência de aprendizagem. Eles tendem a ter dificuldades em lidar com uma grande quantidade de dados clínicos, o que torna o feedback automatizado da IA um recurso extremamente valioso para a educação.

Na experiência de Andre Kumar, muitos deles sentem que o POCUS é uma nova tecnologia que vai mudar a sua prática clínica. Mas, quando pergunta o que vão fazer de diferente, como vão implementá-lo na sua prática, muitas vezes não obtém uma resposta. Isso é algo que se pode melhorar para encontrar a forma de o integrar na prática.

A Natureza da Prática Clínica e o Valor da Integração da Ecografia à Cabeceira do Doente

Uma imagem de ultrassom só é valiosa quando colocada num contexto clínico adequado. José Mariz fala como o POCUS permite responder perguntas clínicas em tempo real, o que melhora a tomada de decisões e evita que médicos fiquem dependentes de exames demorados e distantes da cabeceira do paciente.

Kumar e Mariz concordam que a ecografia Point-of-Care precisa ser usada como uma extensão do raciocínio clínico, e não como uma ferramenta isolada. A chave para o sucesso do POCUS é a integração com perguntas clínicas específicas e a capacidade de interpretar as imagens no contexto adequado. Um exame bem executado, mas fora de contexto, pode não contribuir para o diagnóstico preciso.
"Uma imagem de alta qualidade sem o contexto clínico correto pode ser inútil; por outro lado, uma imagem aparentemente má pode ser extremamente informativa se interpretada no cenário adequado." — José Mariz

A Relação entre POCUS, Sonografistas e Radiologistas

Nos Estados Unidos há profissionais não médicos especializados em Sonografia de Diagnóstico Médico (DMS). Os Sonografistas possuem formação dedicada e certificação específica como parte da sua profissão e estudam muitas horas para atingir a competência.

Em contraste, os médicos que praticam POCUS não têm uma acreditação para o uso da técnica. Nem existe uma recomendação formal de currículo nos Estados Unidos, o que resulta numa grande disparidade de competências entre especialidades e até dentro da mesma área. Frequentemente aprendem de forma autodidata ou em programas individuais e, como tal, padronizar o uso do POCUS é uma prioridade.

Para os radiologistas, a interpretação das imagens faz parte integrante da sua formação, mas a aquisição das mesmas nem sempre é abordada.

A ecografia pode aumentar significativamente o poder do médico à cabeceira do paciente, mas ainda há muito por alcançar para que essa realidade seja amplamente implementada.

Para Kumar e Mariz, a implementação de IA e de práticas padronizadas no ensino do POCUS é fundamental para melhorar o atendimento à cabeceira do doente e devolver o foco da medicina ao paciente.

Ecografia à Cabeceira: Mais Perto do Doente, Mais Perto da Cura

O POCUS tem o potencial de revolucionar o cuidado ao doente ao fornecer diagnósticos rápidos e precisos em diversas condições clínicas. Com o apoio da IA, os desafios da formação em POCUS e da confiança no seu uso podem ser minimizados, permitindo que mais médicos adquiram competências essenciais.

Em conclusão, a integração do POCUS na prática clínica não se trata de adicionar mais tarefas ou perder tempo, mas de transformar a maneira como o tempo é utilizado em prol de um atendimento mais direto e intencional.

Profissionais de saúde frequentemente se veem sobrecarregados com a análise de dados clínicos e outras atividades indiretas que os distanciam dos pacientes. A ecografia Point-of-Care, ao contrário, é uma ferramenta que permite ao profissional se concentrar no paciente, otimizar o diagnóstico e, eventualmente, poupar tempo.
“Esta é uma ferramenta poderosa, mas a tecnologia às vezes pode nos trazer de volta ao lado negativo do cuidado ao doente. Acredito que à medida que nos tornamos mais confortáveis e desenvolvemos melhores tecnologias para apoiar a aprendizagem e a interpretação, com melhores estudos sobre sensibilidade e especificidade, nos aproximamos dos nossos pacientes, ali mesmo à cabeceira.” — Andre Kumar
A resistência à integração do POCUS na prática clínica por falta de tempo pode ser um equívoco. Na realidade, ao permitir decisões mais rápidas e precisas, ele ajuda a economizar tempo a longo prazo, reforçando o vínculo entre médico e paciente.

Com o desenvolvimento de tecnologias mais precisas e intuitivas, há uma grande esperança de que o POCUS seja uma peça-chave para restaurar a centralidade do cuidado humano na medicina, beneficiando tanto os profissionais quanto os seus pacientes.
Com as inovações tecnológicas em curso, a medicina está cada vez mais próxima de oferecer um atendimento mais rápido, preciso e humano. Se é um profissional de saúde interessado em aprofundar o conhecimento sobre POCUS e inteligência artificial, este episódio do POCUS Talks é imperdível!

O Futuro do POCUS: IA, Aprendizagem e Integração clínica

É significativo para os iniciantes na prática do POCUS, pois explora como a inteligência artificial pode acelerar a curva de aprendizagem da ecografia Point-of-Care. A IA pode reduzir a variabilidade entre formadores e melhorar a precisão do diagnóstico, o que é particularmente benéfico para profissionais menos experientes.

É particularmente interessante para aqueles que se dedicam ao ensino de ultrassonografia Point-of-Care, uma vez que aborda diretamente uma das questões mais atuais na área: como melhorar a aprendizagem e o ensino da aquisição de imagens de ultrassom com a ajuda da inteligência artificial.

A aplicação e integração sustentável do POCUS dependerá de um plano contínuo de autoavaliação e de conformidade com padrões de qualidade.

Para que o POCUS seja efetivo, ele precisa estar integrado no contexto clínico completo, mantendo-se rigoroso nos parâmetros de sensibilidade, especificidade e outras métricas de precisão diagnóstica, assim como qualquer exame médico. 

O artigo de José Mariz “Para onde vamos nas aplicações de POCUS na prática clínica?” lança temas para o enquadramento da discussão do que deve ser a aplicação e integração de POCUS no futuro. E o futuro é agora! Conheça o modelo dos 4 Is que guia a sua prática clínica.